domingo, 2 de dezembro de 2018

E agora José



Carlos Drummond de Andrade  (31 de outubro de 1902 — 17 de agosto de 1987) é um dos maiores autores da literatura brasileira, sendo considerado o maior poeta nacional do século XX.
Integrada na segunda fase do modernismo brasileiro, sua produção literária reflete algumas características do seu tempo: uso da linguagem corrente, temas do cotidiano, reflexões políticas e sociais. 
Através de sua poesia, Drummond foi eternizado, conquistando a atenção e a admiração dos leitores contemporâneos. Seus poemas se centram em questões que se mantêm atuais: a rotina das grandes cidades, a solidão, a memória, a vida em sociedade, as relações humanas. 
Entre suas composições mais famosas, se destacam também aquelas que expressam reflexões existenciais profundas, onde o sujeito expõe e questiona seu modo de viver, seu passado e seu propósito. Confira alguns dos poemas mais famosos de Carlos Drummond de Andrade, analisados e comentados. 
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?



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